Foi assim que 'Argala' descreveu o drama de gerações e gerações de bascos. E, provavelmente, não esperava que, ainda em 2009, as prisões espanholas e francesas estivessem a abarrotar de presos políticos bascos. Uma cifra impressionante: mais de 800 homens e mulheres encarcerados em ambos os Estados. Em todo o mundo, centenas de bascos vivem no exílio, estão deportados ou, simplesmente, na clandestinidade. Há alguns meses, desapareceu, em estranhas circunstâncias, um militante da ETA no que parece ser um prenúncio de tempos que não desapareceram. Desde então, as ruas e avenidas do País Basco enchem-se de manifestações denunciando. Na década de 70 e de 80, grupos armados, treinados e financiados pelo Estado espanhol torturaram e assassinaram políticos da esquerda independentista. Membros das Forças Armadas e de Segurança, assim como políticos, foram julgados e condenados. Cinco anos depois estavam em liberdade e, em alguns casos, condecorados com direito a subida na carreira. Muito diferente das penas a que estão sujeitos os independentistas bascos. Por exemplo, 'Gatza' está há 29 anos na prisão, mais do que Nelson Mandela. Essas acções de terrorismo de Estado conduzidas pelo governo de Felipe González provocaram um grande escândalo e arredaram a violência para o âmbito policial e militar. E apesar de os governantes e os jornais espanhóis insistirem que é uma estratégia da ETA para descredibilizar o Estado, a verdade é que a própria ONU reconheceu várias vezes o recurso à tortura contra cidadãos bascos. Desde a simulação do afogamento em banheiras, choques eléctricos nas zonas genitais, corte da respiração através de sacos de plástico, penetração de pistola na vagina com ameaça de disparo, vapores alucinogénicos, gravações de gente a ser torturada ou o habitual espancamento, tudo é possível para tentar arrancar uma confissão mesmo que falsa. Isto durante os dias que dura a incomunicação, um período aprovado pelo parlamento nacional e no qual os detidos não têm qualquer acesso ao mundo exterior. Nem ao contacto com a família ou com o advogado.
No País Basco, sente-se a tensão. Quase todas as organizações são ilegais. Nas últimas eleições municipais, a esquerda independentista ganhou em muitas localidades mas como os votos foram considerados nulos a presidência da Câmara Municipal passou, como por exemplo em Lizartza, para as mãos do Partido Popular que obteve a minoria absoluta de 12 votos. As pessoas revoltam-se. Têm familiares presos, as casas da juventude, antigos espaços abandonados ocupados, desalojadas pela força, manifestações proibidas e reprimidas a tiro. A sociedade basca vive num regime fascista em que uma boa parte da cidadania não pode expressar democraticamente a sua vontade. Há poucos dias, duas raparigas foram detidas porque levavam autocolantes independentistas. Um exemplo caricato desta democracia de fachada que há poucos meses decidiu arrancar as placas toponímicas que existiam há décadas nas ruas e avenidas do País Basco. O delito? Terem nomes de homens e mulheres que haviam sido combatentes da ETA. Das placas passaram para os cartazes. Em cada localidade, os familiares e amigos dos presos expõem publicamente as suas fotografias como forma de denúncia. Nas ruas, nos bares, nas fachadas das casas, qualquer lugar é bom para protestar. Mas agora, o Estado espanhol decidiu arrancar todas esses cartazes, faixas e pichagens e prender todos aqueles que participem nessa forma de protesto.
Agora tudo é pior. O PSOE está no governo do País Basco. Numa manobra inteligente, a ilegalização da esquerda independentista desequilibrou a balança de votantes que pendeu para o lado espanhol. Os partidos espanholistas como o PSOE, o PP e a UPD receberam mais votos que o PNV, a EA, a Aralar e a IU. Contudo, a maioria da população votou a favor da opção soberanista. Ou seja, aproximam-se anos muito duros para a esquerda independentista. Depois da proibição de jornais, rádios, organizações juvenis, associações humanitárias e de partidos políticos a situação ainda pode piorar. Os últimos redutos legais encontram-se no sindicato LAB, na organização de solidariedade internacionalista Askapena e em associações culturais. Tudo o resto move-se na clandestinidade. Há dias, incendiaram parte da casa dos pais de dois jovens independentistas bascos. Semanas depois, um grupo de homens combinou um trabalho com um independentista basco, operário da construção civil, e ao chegarem ao encontro raptaram-no e torturaram-no.
Há quem culpe a ETA pela actual situação. Mas a organização já afirmou estar disposta a negociar. Em troca de um referendo pela autodeterminação baixam as armas, incondicionalmente. Ou seja, é a única condição que apresentam para abandonar a luta armada. O receio de que ganhe a opção independentista e o efeito-dominó sobre a Catalunha e a Galiza assustam o Estado espanhol. Para além disso, a ETA assume-se como marxista-leninista e o socialismo mantém-se no seu discurso. Nas últimas negociações, ambos acordaram baixar as armas. A ETA não atacava e o Estado espanhol suspendia a repressão. Durante mais de um ano, durante a trégua, dezenas e dezenas de militantes independentistas foram presos e torturados. O Estado espanhol nunca cumpriu o acordado. A ETA cumpriu-o até que se fartou e fez explodir o estacionamento do Aeroporto de Barajas. Desde que surgiu, há 50 anos, a ETA tem estabelecido vários processos de negociação. Todos abortados pela intransigência dos representantes espanhóis que chegaram ao cúmulo de mandar prender os negociadores bascos.
Portugal teve e tem grandes amigos bascos. Vários dirigentes históricos da esquerda independentista viram na revolução de Abril uma mensagem de esperança para a luta que se vivia contra o franquismo. Por isso, muitos deles marcaram ao longo dos anos presença nas comemorações do 25 de Abril. Um deles, Joseba Alvarez, responsável pelas relações internacionais do Batasuna, encontra-se preso há mais de dois anos. Outro, que sempre teve um grande carinho pelo povo português morreu há poucos meses. Bernardo Arregi 'Tito' foi um dos que perdeu a juventude nas prisões espanholas. Depois de ter rebentado com um tanque militar espanhol, esteve cerca de 15 anos preso. Se lhe perguntassem se perderia outra vez a juventude por lutar por um País Basco livre e socialista, ele responderia que sim.
Podemos ser a favor ou contra a ETA. Isso não importa. O que importa é compreender que é um fenómeno com raízes políticas, económicas e culturais e que enquanto se derem as razões que a sustentam ela terá condições para existir. Por muito que o Estado espanhol diga, semanalmente, que está derrotada, há-de haver sempre jovens dispostos a sacrificar-se já não só pela independência e o socialismo mas também pela própria democracia. Amanhã, a ETA comemora 50 anos. Ontem e hoje, provaram que estão operacionais. Está na hora de acabar com a violência. A solução para o conflito é uma: que os bascos possam decidir o seu próprio futuro.