segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Sobre a Colômbia

"Portugal reconhece o direito dos povos à autodeterminação e independência e ao desenvolvimento, bem como o direito à insurreição contra todas as formas de opressão."

in Constituição da Republica Portuguesa

Como se constroem as vitórias militares na Colômbia

Saiu de casa. Tinha recebido um telefonema para uma entrevista de trabalho e, provavelmente, não havia tempo a perder. Quem vive nos subúrbios de Bogotá conhece bem a realidade da miséria e do desemprego e sabe, acima de tudo, que não se pode desperdiçar a minima oportunidade de trazer algum dinheiro para casa. Por isso, é provável que tivesse pressa quando disse à mãe que lhe guardasse a refeição, uma vez que regressaria daí a pouco. Mas não regressou.

Como muitos outros jovens de bairros pobres, foi arrastado para uma macabra cilada. Membros do exército colombiano, à paisana, prometeram-lhes trabalho. Depois mataram-nos e vestiram-nos com fardas de várias organizações armadas que operam na Colômbia. Foi, dessa forma, que o Estado colombiano, através das chefias militares, forjou vitórias sobre as FARC, sobre o ELN e até sobre paramilitares.

A recente descoberta de valas comuns, junto à fronteira com a Venezuela, com dezenas de corpos de jovens desaparecidos em bairros da periferia de Bogotá fez explodir o escândalo nas primeiras páginas dos jornais. Para além das afirmações dos familiares que indicam que em nenhum caso houve qualquer dado que pudesse prever o desaparecimento voluntário da, até agora, mais de meia centena de jovens e que a maioria havia sido chamada para entrevistas de trabalho, as autópsias indicam que foram baleados imediatamente depois de terem desaparecido de casa. Ou seja, pouco tempo para que pudessem ter caído em combate.

O caso é tão arrepiante que o procurador-geral colombiano, Mario Iguarán, afirmou ao El Nuevo Herald que se trataria de um horroroso e tenebroso fenómeno de execuções extra-judiciais praticados por membros do Exército da Colômbia. Por sua vez, o ministro colombiano da Defesa, Juan Manuel Santos, perito em defender as sujas conquistas das forças de segurança e em denegrir as organizações insurgentes, foi obrigado a admitir a possibilidade de que tal seja verdade e mandou abrir uma “investigação”.

Nada que seja estranho às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo (FARC-EP) e a dezenas de organizações humanitárias que, desde sempre, denunciaram e denunciam o recurso a este método para criar a ideia de que se está a derrotar a resistência armada do povo colombiano. Pouco tempo depois da fundação das FARC-EP, Manuel Marulanda explicava num livro de Jacobo Arenas - outro dirigente histórico da organização – sobre a perigosidade que implicava para os seus combatentes e simpatizantes de se estar isolado fora dos cercos militares. “Não só são globalmente assassinados, mas depois de os terem morto vestem-lhes um equipamento de combate fotografando-os, fotografias essas que são publicadas na imprensa para demonstrar o «enorme poder» do Exército”, explicava. E apesar de o escândalo presente se referir a jovens pobres que não tinham qualquer relação com a luta armada, percebe-se que a prática da mentira e da manipulação por parte do Estado colombiano não mudou grande coisa, antes se aperfeiçoou e apurou o seu carácter terrorista. Segundo o jornal Clarín, o Exército colombiano abateu-os para cumprir com a quota periódica de cadáveres de guerrilheiros que se deve apresentar...

Editar: cortar, copiar, colar, manipular...

Com o Estado colombiano a opção 'editar' ganhou uma nova função. Para além de 'cortar', 'copiar' e 'colar', surge a função 'manipular'. Depois do bombardeamento sobre um acampamento guerrilheiro, em solo equatoriano, que levou à morte de combatentes, entre os quais Raul Reyes, e de estudantes que o visitavam, surgiram os célebres portáteis do responsável pelas relações internacionais das FARC-EP. O pretexto ideal para lançar uma caça às bruxas, a nível interno e externo, revelou-se como um excelente método de manipulação. E apesar de várias organizações, entre as quais a Interpol, indicarem que houve alteração de dados, a comunicação social subserviente repetiu, com agrado e até à exaustão, o que lhe dizia o governo colombiano sobre os conteúdos. Foi assim que a polícia espanhola deteve Maria Garcia Albert, activista espanhola da OSPAAL, organização de solidariedade internacionalista a par de outras informações que serviram, acima de tudo, para fomentar o medo entre os cidadãos do Estado espanhol. Por exemplo, os jornais espanhóis reagiram alarmados com o facto de o conteúdo dos portáteis apresentar várias cidades espanholas como objectivos guerrilheiros. Afinal, havia localidades colombianas com o mesmo nome.

Agora, repetem a mesma estratégia com o suposto portátil de Iván Ríos, dirigente das FARC assassinado este ano. Nos últimos dias, certos deputados colombianos, alarmados com a divulgação de videos de comicios universitários com a participação de activistas do Movimento Bolivariano Juvenil (MBJ), exigiram medidas de segurança para proteger os estudantes da organização guerrilheira. Uma deputada assegurava a um canal televisivo que os membros do MJB utilizavam passa-montanhas para assustar e condicionar os estudantes mas nada disse sobre o facto de na Colômbia se puder morrer por, de cara destapada, se defender ideias alternativas às da oligarquia. Preocupada, afirmava que as FARC têm muita força nas universidades colombianas.

Extraodinariamente, ou não, uma agência de notícias revelava a descoberta de dados no portátil de Iván Rios que sustentavam a relação entre o MBJ e a Federação Estudantil Universitária (FEU) e a Federação Estudantil Secundária (FES). Naturalmente, o propósito não é outro que o de criminalizar a actividade destes dois movimentos estudantis. A propósito, e oportunamente, a deputada que promoveu as últimas negociações com as FARC-EP, Piedad Córdoba, em declarações à Colprensa, acusou o governo de querer capturar a cerca de 500 estudantes “sob o argumento de que são terroristas e que fazem parte das FARC”. Acrescentou ainda que se trata de uma “estratégia para gerar um ambiente de opinião contra o movimento estudantil universitário”.

Há um receio, que se compreende, por parte do Estado colombiano. Afinal, não é uma tarefa dificil encontrar-se videos na internet que retratam a actividade do Movimento Bolivariano Juvenil dentro das universidades. Podemos assistir a comicios e a manifestações onde se percebe a influência real e o apoio que recebe não só o MBJ mas também as FARC-EP por parte de um número significativo de estudantes. Isso não pode legitimar, claro, a criminalização da FEU e da FES mas demonstra bem que a organização guerrilheira está longe de ser derrotada, como afirmaram durante semanas os papagaios do Estado fascista colombiano.

Com Bolívar, com Manuel, com o povo, ao poder!

Era ainda um jovem comandante aquele Manuel que, a pedido de Jacobo Arenas, escreveu sobre “algumas impressões sobre a experiência adquirida aquando das operações realizadas pelo Exército em Marquetália”. O camponês, filho de camponeses, que forjava agora, com outros combatentes, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, deixava o seu testemunho sobre uma nova realidade que nunca deixou de existir desde então.

Sobre a guerra psicológica, Manuel Marulanda, explicou que “os esforços dispendidos para enfraquecer e corromper a consciência dos hesitantes, é a oferta de grandes somas de dinheiro pelo assassinato dos principais dirigentes do movimento”. Infelizmente, este ano, produziram-se traições que correspondem a estes esforços por parte do Estado colombiano e que levaram à morte de valorosos revolucionários. Depois, Marulanda acrescenta que “todos os dias, na imprensa e pela rádio, por meio de cartazes ou panfletos são lançadas infames calúnias, acusam-se os dirigentes de todos os crimes cometidos precisamente pelas forças armadas governamentais e publicam-se fotografias de horriveis atrocidades atribuidas aos dirigentes, com o fito de semear a dúvida entre os hesitantes e mesmo entre aqueles que se mostram mais firmes”. O histórico dirigente das FARC descreve dessa forma uma prática que se viria a repetir até aos dias de hoje com o massacre sistemático de camponeses e execução de atentados bombistas contra civis realizados pelo exército e paramilitares e que depois se atribui à organização guerrilheira para a denegrir e descredibilizar perante o povo.

E quando algumas personalidades insuspeitas, que se se afirmam de esquerda, se lançam no ataque às FARC, abrindo caminho às teses imperialistas, esquecem-se da experiência trágica que representou a União Patriótica. Milhares de activistas, candidatos e eleitos foram assassinados numa demonstração bárbara e atroz de que na Colômbia a burguesia não permite a existência de alternativas ao actual sistema político e económico mesmo que pela via pacífica. E, actualmente, mesmo engolindo, sem mastigar, os epítetos fabricados no Pentágono, como o de “narco-terroristas”, basta percorrermos, nos dias de hoje, as páginas dos jornais para encontrarmos as mãos do Estado colombiano sujas de sangue de sindicalistas e de activistas políticos. Uma realidade que lembra as palavras de Josué de Castro: “Tendo recebido um prémio internacional da paz, penso que, infelizmente, não há outra solução que a violência para a América Latina”.

Este ano, vários comandantes foram mortos. Um deles, já aqui referido, Iván Ríos, foi assassinado por um combatente das FARC que lhe cortou a mão para receber a recompensa prometida pelo Estado colombiano. Já naquele tempo, durante o período de Marquetália, Manuel Marulanda afirmava que “a propaganda oficial oferece aos guerrilheiros toda a espécie de garantias e promete-lhes em troca da sua rendição, prémios em dinheiro e outras vantagens, depois vêm as fortunas. Já não é necessária a apresentação dos prisioneiros; apenas as suas cabeças são levadas ao posto militar, para identificação”.

Ou seja, a realidade não mudou assim tanto desde que, em 1964, pouco mais de 30 homens e mulheres se levantaram em armas nas montanhas da Colômbia. Nessa altura, confinados a uma pequena região, conseguiram vencer um cerco de milhares de soldados apoiados pelos Estados Unidos. Desde então, as FARC-EP cresceram. A propósito do desenvolvimento táctico da organização guerrilheira, afirmou Manuel Marulanda: “Antes diziamos: se nos tiram da margem do rio passamos para o outro lado do rio; se nos tiram da montanha escapamos para outra montanha; se nos tiram de uma região, atravessamos o rio, atravessamos a montanha e procuramos outra região. Mas o princípio foi mudando e, então, já diziamos: se nos tiram da margem do rio, estaremos à espera na outra margem do rio; se nos tiram da montanha, estaremos à espera na outra montanha; se nos tiram de uma região, na outra região os estaremos esperando. Então, o princípio foi ficando mais claro, até concretizar-se numa ideia precisa: Já não só os estaremos esperando na outra margem do rio; já não só os estaremos esperando na outra montanha; já não só os estaremos esperando na outra região. Agora, voltaremos a busca-los à margem do rio donde um dia nos tiraram, voltaremos a busca-los à montanha donde um dia nos fizeram fugir e voltaremos a busca-los à região donde um dia nos fizeram correr”.

É esta a organização que se alargou a todas as regiões do país. E o Exército colombiano foi obrigado a acompanhar o Exército do Povo. De tal forma que a sua estrutura foi modificada e reconstruída em função das diversas frentes das FARC-EP. Do Plano Laso ao Plano Colômbia, está presente a derrota da estratégia imperialista para fazer vergar a luta do povo colombiano por uma Colômbia de justiça, paz e liberdade. Entre os povos da América Latina, precisamente quando renasce a esperança, cresce o prestígio da epopeia fariana. Não deixa de ser curioso que foi precisamente na terra de Simón Bolívar que se deu a homenagem popular a Manuel Marulanda Vélez. A comunidade do Bairro 23 de Enero, em Caracas, quis construir com as suas próprias mãos e fazer, de forma voluntária, aquilo que o povo colombiano não pode fazer, a Praça Manuel Marulanda, na qual está presente um busto do comandante histórico das FARC-EP. Uma homenagem venezuelana que logo se transformou em homenagem internacionalista, uma vez que em vários países se trata de um acto ilegal à luz das suas 'democracias'. Manuel Marulanda não será esquecido e a data da sua morte, 26 de Março, foi estabelecido por muitas organizações como o Dia do direito universal à insurreição armada. Um direito que, para todos os efeitos, conquistámos com a Revolução de Abril e que está consagrada na Constituição da República Portuguesa.

B.C.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Centenas recordam Manuel Marulanda

Centenas de pessoas assistiram na passada sexta-feira, numa das zonas mais pobres de Caracas, à inauguração de uma praça e de uma estátua dedicadas a Manuel Marulanda, quando passam seis meses do seu falecimento.

A praça foi construída, durante semanas e de forma voluntária, pela população do emblemático bairro 23 de Enero, um dos bastiões do actual processo político, que quis homenagear o histórico dirigente das FARC. Para além do espaço, foi levantado um busto de Marulanda, obra de um artista cubano, na presença de diversas organizações, movimentos e personalidades, entre os quais o Partido Comunista da Venezuela.

Num comunicado, em nome do secretariado da organização guerrilheira, Alfonso Cano agradeceu a homenagem sublinhando que Manuel Marulanda, que combateu durante 60 anos, viveu "os seus últimos seis em plenitude, enfrentando a maior ofensiva militar contra a insurgência desenvolvida na América Latina: cerca de 400 mil efectivos das forças de segurança, com um plano elaborado na América do Norte, financiado, dotado e controlado por Washington e dirigidos no terreno por oficiais norte-americanos".

Na mensagem, lida por um membro da Coordenadora Continental Bolivariana (CCB), acrescentou ainda que "a sua decisão de alcançar transformações sociais e políticas pelas vias menos dolorosas foi permanente. Consciente de que nas guerras os mais afectados são os sectores populares, procurou sem descanso os caminhos da reconciliação da família colombiana através de acordos e propiciou persistentemente o diálogo com os distintos governos que, sem excepção, pretenderam por essa via submeter a vontade de luta a troco de migalhas".

Um dia antes desta homenagem, a CCB promoveu a apresentação do livro "Manuel Marulanda Vélez, o herói insurgente da Colômbia de Bolívar" junto das centenas de pessoas que enchiam um dos salões do Quartel San Carlos, em Caracas.

Perante as homenagens e o apoio popular ao histórico dirigente guerrilheiro, o Estado colombiano apresentou uma nota de protesto junto das autoridades venezuelanas. Como resposta, um dos representantes da Coordenadora Simón Bolívar, organização comunitária do bairro 23 de Enero, apelou a que todos enviassem uma nota de protesto junto das autoridades colombianas pela presença de narcotraficantes nas altas esferas de Bogotá.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Retratos de Caracas


Com Bolivar, com Manuel, com o povo, ao poder!

Uma parte importante das noticias que chegam a Portugal têm a ver com a criminalidade violenta e, normalmente, aquela que afecta os emigrantes portugueses. Na verdade, Caracas situa-se entre as primeiras cidades latino-americanas no que diz respeito à violencia e isso também afecta a visão que temos da realidade social venezuelana. E embora seja uma verdade inquestionavel parece-me que a abordagem que desde o governo às associaçoes comunitarias se faz sobre o problema é o mais correcto. A criminalidade radica em problemas socio-economicos e é nesse sentido que deve ser combatida. Por isso, tive a oportunidade de conhecer varios dirigentes do associativismo dos 'barrios' - recordar que na Venezuela 'barrio' significa favela - que me falaram na importancia de envolver e ocupar os jovens nas tarefas e actividades comunitarias. Para além disso, surgiu uma missao bolivariana com o objectivo de levar o ensino basico à populaçao. Ou seja, depois do sucesso obtido pela campanha que erradicou o analfabetismo na Venezuela, o governo e os movimentos sociais lançaram-se no desafio de elevar o conhecimento de toda esta gente e no de combater um dos maiores amigos do capitalismo, a ignorancia dos povos.

Uma das organizaçoes que melhor espelha a vontade de estimular a participaçao de jovens e da populaçao é a Coordenadora Simon Bolivar (CSB). Situada no 'barrio' 23 de Enero, envolve toda a comunidade em torno de temas politicos e sociais. Para além de uma radio que emite 24 horas por dia e que é dinamizada, principalmente, por jovens, a CSB preocupa-se com temas tao distintos - ou nao - como sao as condiçoes do bairro e a luta dos povos contra a opressao. Nao admira, pois, que tenha sido aqui que homens e mulheres, principalmente jovens, arregaçaram mangas e ergueram, de forma voluntaria, uma bela praça dedicada a Manuel Marulanda, historico dirigente das FARC-EP. Dai o espanto de quem foi tantas vezes advertido, até pelos mais insuspeitos, da perigosidade deste 'barrio'. Na verdade, em nenhum outro lugar de Caracas me senti tão em casa. Em momento algum me senti inseguro e deixei-me descobrir um dos baluartes do processo politico bolivariano. Ali, no 23 de Enero, ja escorreu varias vezes o sangue de trabalhadores em luta contra a opressão. E, como no passado, os moradores parecem manter a mesma combatividade e o desejo de lutar por uma sociedade mais justa.

Sinceramente, não esperava o que vi. Talvez porque, pessoalmente, não considere o actual processo politico por que passa a Venezuela uma revolução. Efectivamente, o povo venezuelano é protagonista de transformações importantes de caracter progressista mas com contradições que conduzem a uma analise dificil da actual situação na Venezuela. Mas ali senti-me em territorio livre e, efectivamente, costuma dizer-se que o 23 de Enero é "territorio livre da América". Quando a cerimonia de inauguração da Praça Manuel Marulanda começou, centenas de pessoas enchiam o espaço mas dos prédios velhos e sujos outras tantas assomavam à janela para assistir à homenagem ao historico guerrilheiro colombiano. No telhado do edificio térreo que ladeia a nova praça, dezenas de jovens, activistas da Coordenadora Simon Bolivar, visivelmente orgulhosos, lançavam foguetes e gritavam de forma efusiva. Aquele, foi um dia de festa para uma comunidade que quis ligar, de forma indelével, o nome de Manuel Marulanda à sua propria historia. O 'barrio' 23 de Enero, onde, através de murais, as paredes falam de Che Guevara, de Simon Bolivar, de Augusto César Sandino, de Emiliano Zapata, de Iasser Arafat, de Ali Primera, de Mariatégui e de tantos outros, parece não se importar com os epitetos que dedicam às FARC ou com os protestos formais que o Estado colombiano apresentou pela homenagem popular a um dos herois dos povos da América Latina. Também não se pareceu importar com a ausencia de representantes do Estado venezuelano. No 23 de Enero, Manuel Marulanda, o campones, filho de camponeses, ressurgiu entre os seus.

Outra questão que chega a Portugal, para além da criminalidade, mas muitas vezes também conectada com ela, tem a ver com a condiçao dos emigrantes portugueses. Na zona onde vivo, e parece-me que é assim na maioria dos sitios, os portugueses dominam o negocio das padarias e dos mini-mercados. Todos os que conheci e que estao relacionados com estas areas se assumiram como anti-chavistas. Os unicos não madeirenses e, curiosamente, os unicos que nao estao ligados a estas actividades que conheci são os que estao com o actual processo. Um deles é dono de uma lavandaria e reconheci-o de imediato porque tinha uma camisola do Benfica - no dia do derby com o Sporting - e apresentou-me o portugues mais interessante que conheci deste lado do oceano. O senhor Sérgio tem uma livraria e é, claramente, um intelectual. Escreve para varias revistas e publicaçoes progressistas. Parece-me uma pessoa humilde e um pouco timida e a maioria da sua historia contou-ma um amigo seu, empresario, que, estranhamente, é proximo das suas ideias e que também defende o actual processo politico. O senhor Sérgio formou-se em Filosofia e esteve ligado ao MUD. Fugiu de Portugal, perseguido pela PIDE, e exilou-se na Venezuela. Esteve ligado à preparação do sequestro do paquete Santa Maria - foi quem forneceu as armas - mas por divergencias com Henrique Galvao retirou-se da operação. Mas esta é uma excepção. Do lado oposto, entrei no outro dia numa frutaria de um madeirense. Perguntei-lhe porque não tinha arroz e respondeu-me que não o vendia porque dava prejuizo, uma vez que o governo havia bloqueado os preços do alimento. Acabou a conversa a insultar Hugo Chavez e disse-me, passando o polegar pela garganta, que os comunistas deviam ser todos mortos.

Por estes dias, também contactei com uma realidade que nos é muito querida quando, em Portugal, discutimos a Venezuela. A presença de médicos cubanos em Caracas é visivel e traz nao so a saude mas também a solidariedade internacionalista aos 'barrios'. Tive de acompanhar uma pessoa ao centro médico da Universidade Bolivariana da Venezuela que é gerido pela missão 'barrio adentro'. Ali, encontramos uma médica cubana que ja estivera no Haiti. Marcou analises e radiografias e falou-nos um pouco da sua experiencia pessoal. Naquele, como noutros consultorios que visitamos, nao faltam homenagens à revolução cubana. Numa outra missão cubana que visitamos, havia, na parede da sala de espera, as biografias dos cinco presos cubanos que resistem ha 10 anos nos carceres norte-americanos. Nunca nos pediram qualquer identificaçao ou para pagar qualquer acto médico e receberam-nos sempre com um sorriso. Num outro centro - visitamos tres missoes cubanas - que se situava no meio de uma base militar tivemos a oportunidade de assistir à simpatia dos soldados venezuelanos. Naturalmente, é comum, nos portugueses, a apresentaçao, para além da revoluçao de Abril, do processo politico bolivariano como exemplo para defender a manutençao do Serviço Militar Obrigatorio como condiçao essencial para manter o cariz popular das nossas Forças Armadas. Pois bem, apesar de ter sido um breve contacto com uma realidade mal conhecida, tivemos o privilégio de conversar com soldados sobre o papel do exército. Entre as dezenas de murais que afirmavam "Patria e Socialismo ou morte!", um deles conduzia-nos ao posto médico explicando que é importante o contacto com a populaçao e a abertura da base militar aos cidadãos. Para ele, o seu papel não é o de participar em agressoes imperialistas mas o de defender o seu povo. Uns dias depois, um amigo italiano explicou-me que aquela base militar abre aos fins-de-semana à comunidade que pode usufruir da piscina, dos recintos desportivos e dos churrascos organizados pelos soldados.

Um abraço a todos os que estão a dinamizar e a participar na jornada de luta em Portugal. Porque a luta é o unico caminho!