Portugal está subterrado por escândalos. E como a excepção passou a norma, parece que ficámos anestesiados.
Dantes, o capital português resguardava-se mais. Havia algum recato. O processo contra-revolucionário amadurecia e o trabalho contra as conquistas de Abril começava a dar os seus frutos. O Partido Socialista implementava o seu “socialismo democrático” e o Partido Social-Democrata conduzia Portugal rumo à consigna “paz, pão, povo e liberdade”. Então, em nome do mercado livre, privatizou-se. E entre os mais violentos golpes desferidos, a comunicação social foi das primeiras a cair. Primeiro, jornais, revistas e rádios foram entregues de bandeja à iniciativa privada. Depois, os abutres conduziram as pequenas empresas à asfixia económica e construíram os seus impérios mediáticos.
Comecemos por baixo. Na base da cadeia alimentar, encontram-se os jornalistas estagiários. Por norma, recebem subsídio de alimentação e de transporte. Nada mais. Sujeitam-se a todo o tipo de trabalho. Nem sequer podem assinar as suas peças e tudo o que fazem pode ser alterado pelo editor. Há redacções que quase só funcionam com estagiários. São os mais vulneráveis. Querem um contrato de trabalho e, naturalmente, são facilmente manipuláveis. Depois, temos os jornalistas. A larga maioria tem um contrato precário. Ou seja, nunca sabem se estarão mais do que seis meses ou um ano naquela redacção. Estão altamente condicionados por esse facto. Há os que estão efectivos na empresa mas que se ousarem contestar as decisões editoriais serão “emprateleirados”. Ou seja, serão enviados para áreas onde não possam fazer grande mossa. Mais acima, estão os editores. Têm grande poder porque, efectivamente, são eles que aplicam as directrizes. Como qualquer capataz, podem ser objecto de grande ódio. Os directores estão lá longe, mais perto dos proprietários do órgão de comunicação social. Não se sujam.
É ali que se fabrica a realidade. Debaixo das nuvens de tabaco, em muitos casos, pesa a consciência dos jornalistas. Infelizmente, nem sempre. Pelo que se omitiu, pelo que se manipulou, pelo que se mentiu. E como, para a maioria das pessoas, o que passa nos media é o que realmente aconteceu, então, nada mais aconteceu. Tudo o resto vai para o cemitério de acontecimentos inverosímeis. Porque se tivesse acontecido teria passado no telejornal. Por isso, em 1971, Gil Scott-Heron cantava pelos bairros negros que a revolução não seria televisionada. Seria ao vivo. E o poder político e económico sabe disso. No outro dia, entre a lavagem de roupa suja, o director do semanário Sol - que tem estado a publicar escutas policiais que incriminam o primeiro-ministro português - afirmava que José Sócrates lhe havia dito que “tentar comprar jornalistas é um disparate, porque a melhor forma de controlar a imprensa é controlar os patrões”.
Esqueceu-se Sócrates de lhe dizer que ele próprio é a voz dos patrões. Ou pelo menos de alguns. Porque a imagem cândida de directores e editores escandalizados com as tentativas de controlo da comunicação social por parte do governo português são de quem perdeu qualquer vergonha. Com ou sem tentativas de controlo, os media sempre estiveram condicionados pelos que agora simulam espanto. Eles, em nomes dos patrões, ordenaram aos jornalistas a omissão, a manipulação e a mentira. Para esconder os reais problemas do país e as respostas válidas que se apresentam. Portanto, todos estes escândalos relacionados com a comunicação social não têm a ver com qualquer preocupação com a liberdade e a democracia. Têm antes a ver com jogos de bastidores, onde o Partido Socialista e o Partido Social-Democrata se degladeiam como representantes directos do capital.
Daí, há a necessidade de expandir os meios alternativos. É imperativo criar formas de romper com o bloqueio informativo. Há 79 anos, nascia o «Avante!», Orgão Central do Partido Comunista Português. Nas condições mais adversas, aquela organização conseguiu levar a voz dos sem voz a milhares de trabalhadores. Foi o jornal comunista que, no mundo, mais tempo conseguiu estar sendo publicado de forma clandestina. Hoje, a comunicação social chega mais longe e, por isso, os efeitos de estar controlada pelos que dominam o poder económico e político são muito mais graves. Como dizia, e bem, Malcolm X, “se não andarem prevenidos, os meios de comunicação leva-los-ão a odiar os oprimidos e a amar os opressores”.
1 comentário:
Muito bom artigo
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