terça-feira, 29 de abril de 2008

Entrevista a Iván Márquez, das FARC


Patricio Echegaray, secretário-geral do Partido Comunista Argentino, entrevistou, há cerca de uma semana, Iván Márquez, um dos membros do secretariado das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia - Exército do Povo. A tradução é da Rádio Moscovo.

18.04.2008, Montanhas da Colômbia

Patricio Echegaray: Comandante, primeiro quero dar-lhe a si, à direcção das FARC e a toda a sua gente o nosso abraço, as nossas condolências pela morte dos que cairam na emboscada no passado 1 de Março. Como ficou prejudicado, com isso, o processo de diálogo e de troca humanitária [de prisioneiros]?

Iván Márquez: Quero enviar ao povo argentino e a todos os povos americanos a saudação e o abraço da parte do nosso comandante em chefe Manuel Marulanda Vélez, dos guerrilheiros e guerrilheiras que combatem por uma nova Colômbia com as ideias e com os fuzis. Com agradecimento especial a todas as manifestações de solidariedade contra a morte recente, através de um ataque militar combinado entre os governos da Colômbia e dos Estados Unidos, em território equatoriano, do comandante Raúl Reyes. Foi um duro golpe para as FARC. Tratava-se de um comandante muito valioso, que caiu procurando os caminhos para uma solução política para a situação dos prisioneiros de guerra na Colômbia. A troca [de presos] é imprescindível para abrir as portas da paz na Colômbia. O nosso objectivo estratégico fundamental é a paz e se nos levantámos em armas é pela paz neste país. O assassinato do Raúl dinamitou a estrutura de negociação construída pelo presidente Hugo Chávez e pela senadora Piedad Córdoba. Eles conseguiram coisas impensáveis até há bem pouco tempo, resultados animadores como a libertação de cinco congressistas capturados pelas FARC no desenvolvimento da guerra. Mas, depois destes acontecimentos, as possibilidades de continuarmos a libertar o resto das pessoas estão fechadas por agora.

Echegaray: Qual é a engenharia política, militar e diplomática que poderia reconstruir os caminhos da negociação, os caminhos da paz?

Márquez: Para retomar aquele esforço hoje só nos resta a via da desmilitarização, por 45 dias de Pradera e de Florida, dois municipios situados na região de Valle. Os nossos porta-vozes levaram esta proposta durante mais de três anos. Uma vez que o governo da Colômbia emita o decreto da desmilitarização destes dois municipios, nós enviaremos uma companhia guerrilheira para verificar se se cumpriu o acordo. Verificada a desmilitarização, enviaríamos os porta-vozes para que esperem os representantes do governo e se acordem, em território colombiano, os princípios da troca. Mal recebamos os guerrilheiros presos entregaremos também a gente que está connosco.

Echegaray: Quantos são os membros das FARC em poder do governo?

Márquez: Nós queremos tirar da prisão a cerca de 500 guerrilheiros mas Uribe colocou uma quantidade de condições inamovíveis, entre elas negar-se a desmilitarizar o território proposto, ou que os guerrilheiros libertados num eventual acordo não possam regressar à montanha e que deveriam ser desterrados para outros países, uma condição inaceitável para um revolucionário.

Echegaray: A mãe de Ingrid Betancourt acusou o governo colombiano de operações que perturbaram e perturbam seriamente a libertação da sua filha. Disse, inclusivamente, que a violência com que o governo colombiano avança sobre as populações civis é brutal. Terminou estas declarações, publicamente realizadas em Caracas e perante a presença do presidente Chávez, dizendo que não se sente segura na Colômbia e que a campanha sobre a saúde da sua filha podia ser uma manobra de Uribe para justificar distintas acções que possam terminar com a sua vida. Que me dizes disto?

Márquez: A Uribe não lhe importa o clamor humanitário dos familiares dos presos. Apesar de Uribe estar obrigado a realizar acções para preservar a vida destas pessoas, não mexe um dedo. Pelo contrário, todos os dias distribui ordens pelos seus generais para que tentem um resgate a sangue e fogo dos prisioneiros. É uma atitude irresponsável. Daqui antecipamos que em caso de um desenlace fatal dos acontecimentos, o presidente Uribe e o Estado da Colômbia serão os responsáveis. A atitude da senhora Yolanda Pulecio, mãe de Ingrid, foi muito corajosa e creio que o que expressou ultimamente surge da amargura de encontrar sempre os ouvidos surdos do presidente Uribe Vélez. Ela vê em Hugo Chávez a única esperança, e tem razão, porque Chávez desenvolveu um esforço desinteressado para concretizar a troca. Se há algo em que o presidente Chávez está interessado é na paz da Colômbia. Mas Uribe pretendeu retira-lo da intermediação, sendo que é a única intermediação que mostrou resultados concretos.

Echegaray: E acusa-o perante o mundo de estar a finaciar-vos.

Márquez: Mente quando diz que recebemos armas e dólares da Venezuela. Se as tivéssemos recebido - e que não tenham a menor dúvida - já tinhamos derrubado este governo umas mil vezes.

Echegaray: Que se passou com o avião-hospital? O governo francês teve algum contacto convosco sobre isso?

Márquez: Não, nenhum contacto. O Raúl Reyes era o contacto. No mês de Janeiro demos uma resposta ao Comité Internacional da Cruz Vermelha, que havia solicitado às FARC permitir a entrada de uma missão médica para assistir, na profundidade da selva, os prisioneiros em poder das FARC. Explicámos-lhes porque motivo era inviável. Devido aos riscos militares que envolveria dar-lhes as coordenadas de um lugar. A nós interessa-nos preservar a vida dos nossos prisioneiros de guerra. Quando as FARC forem reconhecidas como força beligerante teremos outras condições para um trabalho desta natureza. De qualquer forma, sublinho que os médicos guerrilheiros dão a melhor atenção possível aos nossos prisioneiros.

Echegaray: Este ano é o 80º aniversário do nascimento de Ernesto Che Guevara e estão a preparar-se, em Rosario, na Argentina, uma série de celebrações. Para todas as organizações envolvidas nos festejos, a possibilidade de contar com a companhia de uma força que nas condições actuais segue desenvolvendo uma luta político-militar guerrilheira seria uma grande honra.

Márquez: Li por estes dias que certa vez o Che enviou a Salvador Allende o seu livro sobre a guerra de guerrilhas e na dedicatória dizia-lhe: "ambos lutamos pela mesma causa, ainda que por vias distintas". Creio que neste novo século devemos unir os nossos esforços. Na Colômbia é muito difícil ser oposição sem ter um fuzil ao ombro, ou como diria o poeta Herrera "o peito cruzado de cananas [espécie de cintos de cabedal que se colocam cruzados sobre o peito para armazenar as balas, era uma das imagens de marca dos combatentes mexicanos]". Até falar de Bolívar se converteu num delito na Colômbia. Nas operações stop militares, se encontram alguém com um livro de Bolívar passa a ser objecto de uma investigação. O pai da pátria, Bolívar, está a ser, na prática, proscrito, criminalizado, demonizado da mesma forma que nós. Agradecemo-vos esta oportunidade que nos dão para nos dirigirmos aos povos da nossa América e queremos estar presentes em Rosario com uma saudação, com um vídeo, para celebrarmos juntos o 80º aniversário do Che.

em Perfil.com

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