terça-feira, 5 de agosto de 2008

Israel tenta obrigar doentes de Gaza a serem informadores

05.08.2008, Sofia Lorena

Grupo de direitos humanos ouviu 32 relatos, incluindo de pessoas com doenças terminais. O Shin Bet desmente as acusações

Bassam al-Wahidi faltou à última consulta que tinha marcada num hospital de Jerusalém Oriental, há quase um ano, apesar de se arriscar a perder a visão do olho direito. À hora prevista, este jornalista de Gaza estava numa sala de interrogatórios do checkpoint de Erez, onde ao longo de seis horas um homem que falava árabe perfeito e se identificou como Moshe lhe sugeriu que descobrisse quem lançava rockets de Gaza para Israel. "Vou mandar-te para casa e deixar-te viver o resto da tua vida cego por seres estúpido", disse-lhe quando recusou.

O relato de Wahidi é um dos 32 que o grupo israelita da organização internacional Médicos pelos Direitos Humanos recolheu num relatório ontem divulgado. Wahidi é dos poucos que aceita ser identificado pelo nome - a maioria recusou por temer que as hipóteses de sair de Gaza para receber tratamento médico fiquem ainda mais reduzidas.

Os Médicos pelos Direitos Humanos acusam o Shin Bet (o serviço de segurança interna de Israel) de "coacção" e "extorsão" dos pacientes. E notam que estas práticas acompanham um aumento acentuado na proporção de doentes a quem é negada a entrada em Israel, desde que o Hamas assumiu o controlo da Faixa de Gaza, em Julho do ano passado. Em Janeiro de 2007 eram autorizados a entrar 90 por cento - no fim do ano já entravam só 62 por cento dos que pediam para passar por motivos médicos.

O grupo lembra que o aumento de restrições nas saídas coincidiu com o bloqueio israelita a Gaza, que provocou quebras de energia eléctrica e impede a entrada de equipamentos médicos ou combustível.

O Shin Bet desmente as acusações e diz que os controlos de segurança servem para garantir que os palestinianos não ameaçam segurança de Israel. Desde 2005, diz, três potenciais bombistas suicidas fizeram-se passar por doentes. Segundo o exército, o número dos que saem de Gaza para receber tratamento médico aumentou de 8325 para 15.148 em 2007.

Mas os testemunhos recolhidos levam os Médicos pelos Direitos Humanos a concluir que os "interrogadores propõem directa e abertamente aos doentes colaborarem e/ou fornecerem informações". E esta prática, sublinham, viola as Convenções de Genebra. O Shin Bet lembra, por seu turno, que o Supremo Tribunal israelita decidiu que "o Estado tem o direito soberano de determinar quem entra" nas suas fronteiras.

A Bassam al-Wahidi foi-lhe oferecido um cartão de telemóvel israelita. Para além de se deslocar às áreas de fronteira para identificar os combatentes que lançam rockets, deveria ir às conferências de imprensa da ala militar do Hamas e de outras facções. Tinha dez dias para provar sua utilidade - depois deixaria de precisar de autorização para passar em Erez.

"Tens cancro"

Sem qualquer viagem ao hospital de Jerusalém desde esse interrogatório, o jornalista de 28 anos que cobre assuntos sociais e laborais para uma rádio já está cego do olho direito e precisa de tratamento urgente no olho esquerdo. Os médicos mandaram-no parar de ler e escrever há um mês.

Abu Obeid, um funcionário público de 38 anos, tem um pacemaker instalado num hospital israelita e saía frequentemente para tratamentos cardíacos. Mas em Agosto recusou uma proposta idêntica à que foi feira a Wahidi. "Dás-me informação e eu facilito as entradas em Israel", ouviu.

Outro homem de 38 anos que deveria ter sido consultado no hospital Ichilov de Telavive contou ao grupo de médicos israelitas o que lhe disse um agente: "Tens cancro e vai espalhar-se para o teu cérebro. Enquanto não nos ajudares, podes esperar por Rafah." Rafah é o posto fronteiriço entre Gaza e o Egipto, raramente aberto.

[...]

em Público, 05.08.08

1 comentário:

Anónimo disse...

http://ocipreste.blogspot.com/2008/08/
pedao-de-pssimo-jornalismo.html