Em Portugal, nunca houve um governo eleito que, com ou sem Partido Popular (CDS/PP), não fosse dirigido pelo Partido Socialista (PS) ou pelo Partido Social-Democrata (PSD). Até hoje, ambos representam as cabeças de um mesmo monstro bicéfalo cuja função é destruir todas as conquistas da Revolução de Abril e consolidar o processo contra-revolucionário a favor do capitalismo mais selvagem. Em determinada época, o PS teve a missão de confundir a classe trabalhadora com o seu "socialismo democrático" enquanto o PSD assumia a sua face neoliberal e autoritária. Uma espécie de jogo entre o polícia "bom" e o polícia "mau" que serviam o mesmo objectivo sujo.
Mas o bipartidarismo não é um exclusivo do nosso país. Podemos observa-lo por toda a Europa, Estados Unidos e também na América Latina. Há várias décadas, em 1958, os dois principais partidos venezuelanos concluiram o pacto de Punto Fijo. Embora no início fosse para estabilizar o país saído das garras de Pérez Jimenez rapidamente se transformou numa desculpa para controlar as rédeas do país. A Acção Democrática e o COPEI (Partido Popular) concluíram que seria melhor partilhar o poder sob a fachada das eleições democráticas. E a história do chamado sistema puntofijista não foi mais que uma novela sem grandes argumentos. Aplicar a receita neoliberal e viver dos lucros do petróleo.
Até que uma grave crise decretou a morte do puntofijismo. Depois da subida dos preços do petróleo nos anos 70, a Venezuela viu-os descerem. Naturalmente, uma economia tão dependente do ouro negro havia de se ressentir. Começou o endividamento, a desvalorização da moeda e a inflação. Perante a calamidade, Carlos Andréz Pérez deixa-se cair nos braços do Fundo Monetário Internacional (FMI). A receita é o neoliberalismo absoluto. Os milhões de pessoas que tinham migrado para as cidades quando os ventos sopravam favoravelmente não aguentam. E dá-se a explosão social.
Na manhã do dia 27 de Fevereiro de 1988, a gente dos bairros pobres dão inicio a protestos violentos. Vários estabelecimentos são saqueados e alguns sectores de Caracas ficam sob o controlo dos manifestantes. A violência alastra a toda a Venezuela. E o governo decide decretar o recolher obrigatório. Activa o Plano Ávila e o exército toma as ruas. Centenas de pessoas são mortas. Em alguns bairros, a população resiste às forças armadas como pode. E no seio dos militares cresce o descontentamento. Dois anos depois, Hugo Chávez organiza um golpe de Estado que fracassa.
É então que Rafael Caldera rompe com a COPEI e se candidata em 1994 prometendo não só abandonar as orientações do FMI mas também libertar Hugo Chávez da prisão. O líder da revolução bolivariana era já famoso pela tentativa de derrubar o governo. As promessas de ruptura com as linhas económicas seguidas até então não foram cumpridas e o descontentamento não foi anulado. Mas libertou Hugo Chávez. Em 1999, ganha as eleições, destrói definitivamente o bipartidarismo e rompe com as políticas neoliberais.
Décadas e décadas de neoliberalismo conduzido pelas duas cabeças do mesmo monstro, resultaram em revoltas sociais graves. Infelizmente, o Partido Comunista da Venezuela, como o da Argentina, não teve a capacidade de organizar e de orientar a violência social. Mas esta é uma realidade comum por toda a Europa. A crise dos nossos dias não é uma crise qualquer. E a confirmar-se as piores expectativas, devemos estar preparados para derrotar este modelo neoliberal. Depois das manifestações na Grécia, espoletadas pela morte de um jovem, os protestos sociais alastram-se por todo Leste da Europa. Na Lituânia e na Letónia, os governos sofrem a pressão cada vez maior dos povos que juraram representar. Na Bulgária, a tensão aumenta. A Islândia, o país que liderava o ranking mundial da qualidade de vida, viu a queda do seu executivo governamental. Há 50 anos que a polícia islandesa não utilizava o gás lacrimogéneo. Em França, os sindicatos levaram a cabo uma greve geral. E em Inglaterra, crescem os protestos.
A verdade é que os capitalistas tremem. E não é de hipotermia. Apesar do Inverno rigoroso, não é isso que os preocupa. Se houver uma avalanche social de protestos, a situação pode tornar-se insustentável para vários governos e até para a própria União Europeia. E não somos nós que o dizemos. Foi na própria União Europeia onde recentemente se o afirmou. Mais do que ninguém, os dirigentes europeus sabem o perigo da revolta social. Segundo o diário basco Gara, os 27 aumentaram o grau de vigilância do risco de explosões sociais devido à crise económica. Os funcionários europeus reconhecem em privado que a preocupação em Bruxelas é muito grande e que todos os Estados-membro estão a adoptar novas medidas de controlo e seguimento do descontentamento popular. E pedem aos respectivos serviços secretos relatórios para se compreender se os protestos marcam já uma tendência ou se, pelo contrário, são casos isolados ou dinâmicas de oposição interna.
Todos sabemos que uma crise não é sinónimo de um processo revolucionário. Pode haver uma explosão social inconsequente. Como aconteceu na Argentina e na Venezuela. Pode ser capitalizado pela extrema-direita. Ou pode, se houver organizações revolucionárias, levar à ruptura com o sistema actual. Se é certo que em Portugal existe essa organização - Partido Comunista Português - o mesmo não se pode dizer de toda a Europa onde em vários países o movimento comunista se deixou encantar pela social-democracia. Vivemos num mundo no qual as consequências do fim da União Soviética ainda se fazem sentir. E muito. Mas a pouco e pouco, longe do "fim da História", os trabalhadores começam a levantar a cabeça. A correlação de forças não está a nosso favor mas está nas nossas mãos construir o peso que incline a balança no sentido contrário. Porque o socialismo é possível e porque a luta é o único caminho.
2 comentários:
Estou muito de acordo com a tua análise, camarada.
Ao que afirmas no final, quando te referes ao objectivo do socialismo e á luta como o único caminho, permite que acrescente que assim é também porque, para os trabalhadores, entre a barbárie do capitalismo e o socialismo não existe nenhum outro caminho ou real solução.
Saudações fraternas.
Sim. É importante que se sublinhe isso porque agora aparecem as novas teses sobre o capitalismo humanizado ou sobre a refundação do capitalismo para superar a crise.
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