Como na ficção, tem sido difícil compreender o que está a acontecer no Cáucaso. As notícias sucedem-se como nos filmes de Hollywood. Mas neste caso o bom-da-fita não se chama John Rambo. Chama-se Saakashvili.
Começa a fartar o destaque dado pela imprensa portuguesa - lacaia das agências internacionais ao serviço do imperialismo - ao presidente da Geórgia. Saakashvili, um criminoso da pior espécie, lançou um ataque sobre a população da Ossétia do Sul com a autorização dos Estados Unidos. Porque, naturalmente, ninguém acredita que seria capaz de tentar tal aventura sem o apoio da Casa Branca. Portanto, falamos de um crime premeditado. Durante anos, as forças armadas georgianas foram treinadas e armadas pelos Estados Unidos na sua estratégia de cercar o território russo. Mas deviam saber que o precedente aberto na Jugoslávia abriu caminho à Rússia para apoiar no Cáucaso a independência de povos que há muito a exigiam e que, ao contrário do Kosovo, tinham toda a legitimidade para o fazer.
A Ossétia do Sul foi integrada na Geórgia desde que o Império Russo a anexou. Curiosamente, a vitória dos mencheviques georgianos levou a que os ossetos do sul se mantivessem dentro daquele território. O entusiasmo revolucionário com que a população da Ossétia abraçou o bolchevismo provocou o ódio da contra-revolução de Tbilissi. Milhares de ossetos foram dizimados. A parte Sul do território ficou dominada pela República Democrática Menchevique da Geórgia e a parte Norte ficou integrada na República Soviética do Térek. Só depois, com a vitória da revolução, se criou um Estado multinacional com repúblicas independentes, voluntariamente integradas na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Foi a experiência socialista que promoveu a amizade entre os povos e sanou as rivalidades nacionalistas. A Ossétia do Sul possuia um amplo estatuto de autonomia dentro da República Socialista Soviética da Geórgia. Nas escolas, para além do russo, ensinava-se a língua osseta. Depois do fim da URSS, a Geórgia suprimiu a autonomia da Ossétia do Sul e atacou o seu povo por lutar pela independência. Há cerca de dois anos, foram realizados dois referendos, um pouco tempo depois do outro, onde cerca de 94 por cento dos eleitores votaram pela criação de um Estado independente.
O que se passou na noite 7 para dia 8 de Agosto foi um crime. Depois de alguns dias de tiroteio entre forças georgianas e ossetas, o presidente da Geórgia ordenou o cessar-fogo. Quando ninguém o esperava, Saakashvili lança um ataque feroz contra a população indefesa que dormia argumentando que havia que acabar pela força com os regimes criminosos que, segundo ele, vigoravam na Abecásia e na Ossétia do Sul. Para além dos civis e dos combatentes ossetos, foram mortos soldados da força russa de manutenção de paz com mandato internacional. Como já havia advertido, a Rússia entrou no território da Ossétia para defender os cidadãos ossetos - têm quase todos passaporte russo - e os seus soldados cercados pelas forças georgianas.
Pelo que parece, os Estados Unidos tentavam medir a temperatura naquele país. Não é segredo que pretendem colocar, às portas da Rússia, um sistema anti-mísseis. Mas não sabiam como é que Moscovo poderia reagir. Pois bem, agora já sabem. E o presidente russo, Medvedev, já alertou. Se for necessário, intervirão militarmente no exterior para deter as pretensões hegemónicas dos Estados Unidos e da NATO. Para isso, demonstrou que não está isolado. Depois de uma experiência com um míssil que consegue ultrapassar o sistema anti-mísseis, ontem, numa cimeira, ao lado de países como a China, Tadjiquistão, Quirguistão e Cazaquistão formou o Xangai-5 para promover a paz regional e mundial.
E que dizem os jornais? Limitam-se a repetir o que diz o imperialismo. Que o agressor foi a Rússia e que é ela quem promove a guerra. Apesar da Rússia não ser socialista e de ter interesses geo-estratégicos no Cáucaso, não está em posição de, neste momento, se lançar em ambições imperialistas de carácter militar. Portanto, esta resposta e a tensão que se vive naquela região deve-se fundamentalmente às ingerências dos Estados Unidos e da União Europeia. Portanto, mais importante que apoiar qualquer um dos lados deve raciocinar-se com a verdade. E neste momento a verdade é a de que a agressão partiu da Geórgia e dos Estados Unidos e de que os agredidos foram a Ossétia do Sul e a Rússia. Uma verdade útil para combatermos a eclosão de uma guerra que, como sempre, teria como principal vitima a classe trabalhadora.
4 comentários:
A verdade é como o azeite, vem sempre ao de cima. As atitudes russas dos últimos dias mostram bem quem é o agressor. Não admira que ucranianos, lituanos, estónios e letões tenham ficado de sobreaviso. A receita para a expansão russa é simples. Dar nacionalidade russa aos habitantes das ex-repúblicas que assim o desejem. Depois, agitar as águas, ao promover o separatismo dessas minorias russas. Lógico que depois da tentativa do estado em questão de manter a sua integridade territorial, surge a intervenção russa para "defender os seus cidadãos". Segue-se a independência das regiões separatistas e a sua absorção na Rússia.
Nada de novo, portanto. A diferença é que a Ucrânia é um osso muito mais duro de roer do que a Geórgia, e os estados bálticos fazem parte da NATO (sorte deles). E os russos, por muito fortes que sejam, não desejam um confronto com a NATO.
Mas o mais esquisito (ou talvez não) é o facto de os pacifistas de esquerda, que nunca se calam em relação aos EUA e a Israel,terem ficado caladinhos que nem uns ratos. É fácil o porquê. Como não mete nem americanos nem judeus, nem vale a pena protestar. E sabe-se lá porque, consegue-se culpar os americanos pelo que está a acontecer. Nem que para isso se tenha de dar voltas de 180º ao busílis da questão. Mas os americanos conseguem ser sempre os culpados. Os tipos têm mesmo azar.
Escreves bem LGF Lizard, mas o conteúdo do teu comentário é um pouco pateta. Não leves a mal. Tem falta de justificação histórica, demasiado impreciso e ilógico na argumentação. Parece um mero desabafo emocional, que se aproveita para ser expressão dos preconceitos contra a esquerda.
Por exemplo, se «a receita para a expansão russa» fosse assim tão «simples», através da atribuição do passaporte russo aos habitantes das ex-repúblicas soviéticas que o desejassem, qual a lógica de apenas os ossetas do sul terem desejado essa nacionalidade, se não houvesse factores históricos que o justificassem? Por que então não desejaram a nacionalidade russa também os georgianos? É demasiado simplista considerar que os russos meramente aplicam uma receita infalível e de cuja acção derivam todos os problemas.
Outro exemplo do raciocínio simplificado do teu comentário é tomares partido dos norte-americanos, considerando-os inocentes em todo este processo, estranhando mesmo que eles sejam chamados para o assunto. Ora, foram os próprios norte-americanos que se envolveram: Condoleeza Rice imediatamente se deslocou à Geórgia, abraçou o presidente georgiano, ela deu o sinal à imprensa servil para demonizar os russos. A verdade histórica é que os EUA treinaram as tropas georgianas, a amizade mafiosa entre ambos é mais antiga.
O belicismo dos EUA retoma posturas da Guerra Fria. Não foi por acaso que enquanto os noticiários nos apresentavam como legítima as retóricas de Saakashvili e Condoleeza Rice, a Polónia anunciava ter aprovado a instalação proposta por Bush do Escudo de Defesa de Mísseis (Missile Defense Shield) na Europa de Leste. Numa altura em que se critica a Rússia pela «invasão de um Estado soberano», as populações de consumidores e telespectadores aceitam mais facilmente que os EUA coloquem a maior parte das armas letais do mundo a apenas umas poucas centenas de milhas da capital da Rússia.
Pessoalmente, entendo que não há necessidade de sair em defesa do núcleo do Império, em defesa dos EUA, porque se estivermos bem atentos o tema do post não é esse. Nunca esteve em questão uma tomada de posição perante um duelo Rússia vs. EUA. Há alguma pressa, um certo preconceito nessa leitura.
No que eu compreendi do que li, aquilo para que o nosso amigo Pedro chama a atenção é para a necessidade de sabermos filtrar com sentido crítico o que os media nos transmitem, porque «mais importante que apoiar qualquer um dos lados deve raciocinar-se com a verdade.» «Uma verdade útil para combatermos a eclosão de uma guerra que, como sempre, teria como principal vitima a classe trabalhadora.» Eu subscrevo essa preocupação.
Até porque os noticiários realmente sobrecarregam-nos com aberturas falaciosas de acusações de agressão russa, escondendo o facto de que o exército georgiano bombardeou e invadiu a capital da Ossétia do Sul um dia antes de o primeiro tanque russo ter cruzado a fronteira.
Aqui é simplista falar-se em bons e maus. Não se está à procura disso. Quando há uma guerra são os trabalhadores e as pessoas de menos recursos quem mais sofre.
Chega de propaganda e diga-se a verdade.
Acho que o Dalaiama disse o essencial. Só quero acrescentar que os propósitos pelos quais foi criada a NATO já desapareceram. Finalmente, percebeu-se que nada tinha de defensivo mas de ofensivo. A NATO é uma organização agressiva que abre o caminho militar aos interesses geopolíticos do imperialismo norte-americano. Mesmo com a queda da URSS, continuam a cercar o território russo com bases militares e rasgaram anteriores tratados estabelecidos entre ambas as potências. A questão é que a Rússia deixou de ser o Estado fantoche que era quando estava dominada pelo canalha do Ieltsin. Agora que a Rússia está dominada por uma burguesia nacionalista e que pretende defender os seus interesses, os Estados Unidos tentam pressiona-la. Naturalmente, não defendo esses interesses mas defendo a verdade. E a verdade é que as forças de paz russas estavam em território osseta com um mandato internacional. Tanto a população como as forças de paz foram atacadas. Foi justa a posição da Rússia de intervir para repor a paz e defender quem foi agredido.
E tem piada ver-te falar na Rússia como promotor do separatismo no Cáucaso quando apoiaste, muito provavelmente, a promoção do separatismo na Jugoslávia. De qualquer forma, a verdade para ti não tem grande valor. No outro dia, decidiste duvidar do valor da informação que dava conta da morte de dezenas de crianças no Afeganistão. Por acaso, tiveste razão, uma vez que o valor era muito mais elevado. Contudo, não te coíbes de acompanhar a canalha imperialista na sua desinformação mesmo que seja para cobrir crimes hediondos. Tenho pena que haja gente como tu.
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